sábado, 3 de outubro de 2009

O cara estranho



Por Patrick Moraes

Um minuto para terminar a última aula, a sexta-feira sempre era ponto de escape para Dio. Faculdade, estágio, a rotina que rondava sua vida a semana toda às vezes o tirava a paciência. Sempre gostou de ser o primeiro da turma, o elogiado no trabalho, fazer com primor o que se propunha. Não era por acaso que havia sido promovido duas vezes em um ano. Tempo para diversão era raro, só nos fins de semana quando a faculdade ou os trabalhos acumulados do fórum não roubavam o espaço daquela festinha que ia bombar. Gostava de meninas, gostava de meninos, sabia que o interesse era o grande barato para uma boa noite. Saiu de casa cedo, era menino ainda. Viu que precisava crescer e sempre gostou de ser independente, colocar o dedo no rosto e dizer que era o dono da situação. Sim, orgulhoso e arrogante, sabia como ninguém subestimar, mas no fundo era amável. Não pise no calo, taurino nato, sabe o que é seu, mas nem sempre consegue agarrar os frutos que conquistou.

De repente o professor prolixo encerra a aula. Alívio, mesmo com um seminário, dois quilos de livro para leitura e mais três procurações para escrever. O celular vibra com um convite para mais tarde: “balada ou jantar?”. Ironia ou não, havia pensando hoje nele, mas tinha combinado com sua ex-namoradinha de tomarem um vinho no apartamento dela. Mais essa para resolver! No fórum, a tarde não seria nada parada e faltou tempo para pensar no tipo de vinho ou mesmo na casa noturna mais adequada. Dois minutos para o final do expediente e nada resolvido. Arrumou as coisas na mochila e foi às pressas para seu apartamento. Direto para o twitter e nada pior que ver esperança naquelas mensagens indiretas mais que claras. Dani, a ex, apostava em uma futura volta, nunca conseguiu esquecer o romance de colégio. Mas para Dio era apenas uma amizade gostosa, talvez aproveitasse para elevar o ego e descarregar a carência, mas nada além disso.

“Sign Out” e uma toalha. Precisava de uma ducha quente para aliviar o stress. Ainda tinha que decidir a roupa adequada e isso implicava uma ocasião definida. Colocou o roupão e foi até a cozinha quando o celular toca Carla Bruni. Lembrou imediatamente daquela viagem a Paris. Era ele, e agora? Aceitava aquela noite ou adiava mais uma vez? Lembrou da brincadeira de menino no Arco do Triunfo, o som do violonista em frente à Torre Eiffel, a discussão em pleno os corredores do Louvre. Jurou que faria diferente quando voltasse ao Brasil, mas preferiu sumir sem dar explicações. Provavelmente nem ele teria uma convincente. Mesmo depois de dois meses, a caixa de email disputava com as ligações em quantidade de pedidos. O telefone parou, Dio tinha alguns minutos a mais para decidir. Olhou no espelho e viu um eu confuso, perdido nas convicções que tentava transparecer cotidianamente. Resolveu encarar o que seu desejo pedia e foi só o tempo de vestir a blusa cor de rosa com um jeans Diesel e ajeitar o cabelo. Pegou a chave do carro, cruzou o Corredor da Vitória, parou em frente ao prédio de grades pretas e sentiu saudade de quando namoravam ali na garagem. Preferiu não interfonar, a resposta seria mais direta para ajudar no clima das próximas horas. Ligou, chamou, segundo toque, a voz era como um tiro bem acertado. “Desce!”.

A porta do carro fecha e o cheiro de Lapidus exala o charme que o prendeu nas noites parisienses. Eram só os dois hoje, amanhã poderia ser ela, outros, mas Dio queria uma noite assim. Não seriam a casa noturna da Barra nem mesmo um restaurante no Rio Vermelho os destinos combinados. Mas ainda não era hora de revelar, Dio queria surpresa, gostava de ter o controle da situação, escolher aonde ir, ver que tudo era da forma na qual ele planejou. Poderia não ser tarde, o sol já ter ido embora há tempos e os barcos nem velejarem com tanta leveza, mas era lá que ele desejava ir. Olhar as ondas, sentir a brisa e estar com quem escolheu. Andaram, conversaram, se olharam. Dio queria o momento, ele queria a certeza. Não poderia haver cobrança, nem mesmo promessas. A página amarela do capítulo de amanhã era embaraçosa, quase ilegível. Entraram no carro, já era tarde, se despediram com apenas um abraço e antes de Dio abrir a boca o celular tocou. Dani resolveu entrar em cena. Mas nesse ato não cabia seu papel de donzela abandonada, era impróprio interromper a cena de fim de filme clássico.

O cinema acabou e a noite esvaiu as certezas que Dio achou um dia ter. Era mais um conto sem beijo clássico, uma história água com muito açúcar que acabava logo quando o sol de sábado nascia. Era a imagem do rapaz de bem, talvez com aplausos, mas sem sorrisos. A necessidade de aprovação do ego, a falta de direção na estrada. A arena de competição estava dentro dele, do cara estranho que insistia em ser Narciso. No fim, não tinha com quem dividir as tardes de domingo e acabava por tropeçar os quarteirões da solidão em cima da mesa de madeira e dos papéis velhos de artigos jurídicos.

Um comentário:

  1. Texto belo e forte. O autor conseguiu por meio da sua subjetividade falar da solidão, do vazio, das incertezas, etc, de uma forma simples e clara!! O leitor acaba envolvido na trama, ele quer realmente saber o que aconteceu com Dio!!
    Qualquer um pode escrever textos subjetivos, mas nem todo mundo tem o domínio dessa forma de escrita!!!
    Parabéns Patrick!!! :)

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